Há duas bibliotecas em construção na USP para abrigar 17 mil títulos doados pelo empresário e bibliófilo José Mindlin, morto aos 95 anos, no dia 28 de fevereiro de 2010. A primeira, de concreto, pode demorar um ano para ficar pronta. A outra, virtual, está funcionando. Já tem disponíveis cerca de 3.500 documentos, dos quais 1.100 livros.
Ela pode ser acessada pelo link http://www.brasiliana.usp.br/ .
Entre eles, há muita raridade. Só como aperitivo, pode-se citar todas as primeiras edições da obra completa de Machado de Assis, José de Alencar, Gonçalves Dias, Casemiro de Abreu, Augusto dos Anjos e da poetisa paulista Francisca Júlia da Silva.
Em algumas semanas, os 42 volumes escritos por Joaquim Nabuco deverão estar digitalizados, em três blocos (dependendo, em alguns casos, dos limites do direito autoral). Além de autores conhecidos, há livros raros, manuscritos, gravuras, relacionados à História do Brasil e outros temas culturais.
A biblioteca é chamada Brasiliana, por conter na essência obras relacionadas à literatura brasileira e à portuguesa. O nome completo inclui o da mulher de Mindlin, Guita, também falecida: Biblioteca Brasiliana da USP Guita e José Mindlin. O acervo que o bibliófilo reuniu durante 83 anos, desde 1927, constitui-se de 38 mil títulos. A parte brasiliana tem as 17 mil obras agora doadas.
Quando a biblioteca de concreto (20 mil metros quadrados) estiver pronta e funcionando, muitas de suas obras raras não serão acessíveis ao público. O professor de História do Brasil Colonial da USP Pedro Luiz Puntoni, diretor da nova biblioteca, explica que isso é prática comum no mundo.
O cuidado é para preservar a obra. Se um freqüentador pedir uma primeira edição de Machado de Assis, receberá uma orientação: dirigir-se aos computadores. “O texto será digitalizado e colocado on line”, diz Puntoni. “Se for um estudioso, alguém que precise ver o livro físico, o caso será estudado.”
A decisão caberá à curadora da coleção, Cristina Antunes. Ela tem intimidade com o acervo: cuidou da biblioteca de José Mindlin durante trinta anos.
“Temos 12 mil alunos na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, e mais 2 mil da pós graduação”, diz o professor Puntoni. “Se cem alunos quiserem pegar Grande Sertão: Veredas (Guimarães Rosa) dia sim, dia não, o livro acaba.” A tentação pode ser grande. Os originais da consagrada obra, de 1956, datilografados e rabiscados pelo autor, estarão no acervo físico da biblioteca.
Mas não no virtual, devido aos direitos autorais (só liberados 70 anos depois da morte de um autor). Rosa morreu em 1967, há 42 anos.
Outro problema são os volumes dos modernistas, como Mário de Andrade. No começo do século passado, o papel dos livros era branqueado com uma argila, o caulim. “Usaram muito caulim, e o papel ficou quebradiço”, diz o professor.
A primeira edição de Macunaíma, de Mário de Andrade, de 1928, está quebradiça. Restaram poucas primeiras edições dos modernistas, diz Puntoni. A previsão dele para as primeiras edições dessas obras é drástica: “Elas vão desaparecer”.
O estado com que os livros de Mindlin chegaram aos dias de hoje – perfeitos – deve-se à sua mulher, Guita. Ela especializou-se em restauro de livros. Tinha um laboratório em casa, passava o dia trabalhando, dava aulas. “Formou gerações de restauradores”, diz Puntoni. Submetia os livros do marido a um restauro preventivo.
Guita tinha sua própria biblioteca, onde predominavam publicações sobre sua especialidade. Elas ocupam um cômodo inteiro. Esse acervo também foi doado para a USP.
Dará suporte para um centro de preservação e restauro. Os planos são de que, no futuro, o centro seja uma escola de restauradores.
Outro projeto é de que a biblioteca tenha não só os livros doados por José Mindlin, mas também reúna os acervos de toda a USP.